23 maio 2006

Fábula

O Burro com a pele de Leão

"Certo dia, um Burro encontrou uma pele de Leão que os caçadores tinham deixado a secar ao Sol.
- Vou cobrir-me com ela e assustar toda a gente – pensou ele.
Assim fez, e assustou todas as pessoas e todos os animais que encontrou. Muito orgulhoso do seu feito, zurrou muito alto, cheio de alegria.
Foi o seu erro, porque nesse momento todos perceberam pela sua voz que ele, afinal, era apenas um Burro.
O dono, que tinha apanhado um grande susto, resolveu castigá-lo e deu-lhe umas valentes pauladas."

Moral da história:
Não queiras parecer aquilo que não és.

Quem de nós não se recorda de ouvir esta e outras fábulas na nossa meninice de Jean de La Fontaine? Fizeram parte do meu, e do imaginário de tantos outros meninos pequeninos sequisosos por histórias e por fábulas...Depois, depois vem o mais complicado quando começamos a crescer...porque há os que interiorizam as fábulas e aprendem a moral da história deste cedo, e os que continuam a viver as outras histórias, as encantadas, como se nos passassem um atestado de estupidez devidamente assinado e carimbado! Mas...para esses últimos os "que parecem mas não são", os que "parecem uma coisa mas sao outra", os que "são como o feijão frade" (e ficamos por aqui porque há muitas mais expressões, mas para bom entendedor meia palavra basta), apenas tenho uma frase, que talvez (e reparem que eu disse talvez) os faça pensar, antes de nos atestarem de burros:

Mais vale um inteligente fazer-se de parvo, do que um parvo de inteligente! Digam lá agora quem é mais esperto, o Burro, ou o Dono, que descobriu o engodo?

22 maio 2006

Memórias

Fazia contas como ninguém e apesar de não saber ler nem escrever, vigiava atenta e preciosamente a neta, enquanto fazia os trabalhos de casa que trazia da escola primária.
Não lhe leu histórias encantadas, mas contava-as com um pouco de imaginação, sem nenhuma obrigação e muita sabedoria.
Ela pequenina e curiosa, adorava abrir o Atlas e deliciava-se a decorar o nome das estrelas e dos planetas, como se viajasse pelo cosmos cada vez que ensinava ao avô o que aprendera.
Ele, não lhe ensinou a compor verbos nem a fazer ditados, não teve oportunidade para estudar, mas ensinou-lhe algo muito mais valioso e que não se encontra nas páginas dos livros de histórias nem nos manuais da escola: ensinou-a a brincar, a sorrir e a rir, e a exprimir os seus sentimentos.
Demonstrou-lhe a pouco e pouco que se houver força de vontade, todos nós podemos construir o nosso castelo, tal como ele o fez.
Foi com o avô que ela aprendeu (e facilmente) a ser mimada e caprichosa, quando ele a ia buscar à escola para almoçar e todos os dias, sem excepção, lhe comprava um presente, apenas para a ver ainda mais contente e não que ela precisasse.
Foi com ele que a pequenina descobriu os cães, os gatos, os coelhos, as galinhas ( os dois últimos que hoje em dia se crê já nasceram dentro de embalagens plásticas nas prateleiras de supermercados e prontos para consumo).
Foi ainda com ele que percebeu que se podem chocar pintainhos sem as mães galinhas, sendo apenas necessário para isso um alguidar, um cobertor e um aquecedor dos antigos, e eles milagrosamente rachavam o ovo como se estivessem aconchegados pelas mães.
Por se ter sentado como menina reguila em cima da Vespa do avô e ter ficado presa entre a mota e o chão, aprendeu a não se meter com quem ou com o que fosse mais pesado que ela, e não repetiu a proeza.
Quando ela tinha 9 anos e a avó, esposa de seu avô, faleceu vítima de cancro, foi ele que lhe mostrou com a sua forte personalidade, que apesar de existirem momentos pesados, tristes e muito dolorosos, não podemos nunca deixar de sorrir, e que um carinho ou um gesto de amor não apaga a tristeza mas faz com que fique mais pequena e suportável.
Era ele com toda a paciência deste e de outro mundo lhe fazia todas as vontades de menina mimada, como se ela fosse uma princesa a quem era impensável contrariar.
Ele o avô Zé, inteligente, simples, terno, bondoso, com um enorme sentido de humor, brincalhão, paciente, sensato, amante da mousse de chocolate (que conseguiu transmitir para a sua neta), apaixonado incurável das coisas boas da vida e da sua “menina” para ele sempre pequenina que ao longo de 28 anos foi um amigo incansável e conseguiu mudar a vida desta menina e lhe tocou a alma.
E, tal como ela lhe iluminou os dias e os encheu de amor, fica a certeza e a promessa que também ele, irá para sempre permanecer na sua vida, ainda que agora apenas através de doces recordações e alegres fragmentos de uma outra existência…
Por todos estes motivos, e por muitos mais que não caberiam numa enciclopédia de 24 volumes, nem existem palavras que os consigam expressar correctamente…Obrigada avô!
Basta olhar para as estrelas para saber que estás perto de mim, e me fazeres sorrir como ao longo da tua vida tão bem o soubeste fazer…

18 maio 2006

Intemporal

"Faço e ninguém me responde
esta pergunta á toa,
como pode o peixe vivo
morrer dentro da Lagoa?"

Carlos Drummond de Andrade in "Amar se Aprende Amando"


Em memória do Avô Zé que com o mesmo amor que me viu chegar eu o vi recentemente partir...